Há dois anos, o FMM (Fundo da Marinha Mercante) tem sido utilizado para pagamento de dívida pública da União. O redirecionamento de recursos impacta a principal finalidade para a qual do Fundo foi criado: o financiamento da compra e manutenção de embarcações pelas EBNs (empresas brasileiras de navegação) e o investimento na indústria de construção e reparação dessa área, nos estaleiros. A constatação faz parte do estudo da CNT (Confederação Nacional do Transporte), publicado nesta quinta-feira (30). O documento faz uma análise minuciosa das alterações na dinâmica de alocação e arrecadação do AFRMM (Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante).
O AFRMM é uma das principais fontes de receita do Fundo, além dos reembolsos dos financiamentos tomados pelas empresas de navegação e indústria naval. O segmento aquaviário conta, basicamente, com os recursos do Fundo como forma de fomento para ampliar e renovar a frota de navios e embarcações, tanto de cargas quanto de passageiros. Diante deste cenário, uma das prioridades da CNT para este ano é incluir o assunto na agenda institucional para conversar sobre a questão com o governo e o Congresso.
O valor acumulado pelo Fundo cresceu muito nos últimos anos, especialmente com a alta arrecadação durante a pandemia e o desequilíbrio das cadeias logísticas. No período de 2016 a 2022, a contribuição ao AFRMM somou R$ 48,27 bilhões, sendo 65,3% direcionados ao FMM (R$ 31,54 bilhões). Neste percentual não estão inclusas outras destinações para a arrecadação, todas estabelecidas na legislação: DRU (Desvinculação de Receita da União), 30,0%; FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia), 2,1%; FDEPM (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo): 1,1%; e FN (Fundo Naval), 1,5%.
A despesa autorizada do Fundo com essa fonte de recursos foi recorde em 2021 (R$ 10,64 bilhões) e 2022 (R$ 14,43 bilhões). No entanto, a maior parte foi para o pagamento de dívida da União e não para a concessão de empréstimos e financiamentos (finalidade do fundo). Na prática, em 2021 e 2022, foram alocados para a realização de resultado fiscal R$ 17,44 bilhões, recurso que poderia financiar as atividades da Marinha Mercante e o transporte aquaviário.
O desvio de finalidade é legal. Está amparado pela emenda constitucional nº 109/2021, que passou a dar direito ao uso dos superávits financeiros de diversos fundos públicos para amortização de dívida pública. Alterada pela EC 127/2022, a emenda passou a incluir também a possibilidade de utilização do saldo do FMM para o pagamento de pisos salariais profissionais a enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras, nos exercícios deste ano até 2027.
O impacto no aquaviário foi reforçado com a lei nº 14.301/2022. Entre as alterações, reduziu as alíquotas de contribuição ao AFRMM, passando de 25% para 8% na navegação de longo curso e de 10% para 8% na navegação de cabotagem. Por outro lado, também autorizou a utilização dos recursos do FMM para a realização de obras de infraestrutura portuária e aquaviária. A CNT estima que a demanda de recursos para esse tipo de investimento em projetos de destaque para o setor transportador alcança a soma de R$ 223 bilhões.
Em função da expectativa de redução da arrecadação do AFRMM nos próximos anos e do aumento de beneficiários dos programas de fomento via FMM, a CNT considera que são necessárias medidas cirúrgicas. Dentre elas, garantir que os recursos do FMM sejam efetivamente utilizados em finalidades que promovam o aumento de competitividade das atividades de transporte aquaviário.
Outra questão que merece atenção é a revisão da composição do CDFMM (Conselho Diretor do Fundo da Marinha Mercante). O grupo define em quais projetos serão alocados os recursos do Fundo. Mas, atualmente, apenas duas instituições representam, diretamente, o transporte aquaviário no Conselho: o Sindarma (Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial no Estado do Amazonas) e o Syndarma (Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima). Ficaram de fora, por exemplo, a navegação de cabotagem e os terminais portuários privados.
Outras instituições financeiras fazem parte do Conselho. Têm direito a voto, só que não oferecem financiamento com recursos do Fundo. É o caso do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e do Banco da Amazônia que, desde 2019, praticamente não aparecem concedendo crédito pelo Fundo. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tem sido o mais favorecido – concentrou 79,5% das operações nessa linha de 2016 a 2022.
Diante do exposto, a CNT sugere:
– Garantir que os recursos do FMM sejam aplicados na:
construção e serviços de reparação e manutenção de embarcações;
construção, expansão, ampliação ou modernização de estaleiros;
construção, expansão, ampliação ou modernização de empreendimento portuário; e
construção, expansão, ampliação ou modernização de infraestrutura aquaviária.
– Ampliar a participação das entidades representativas do setor aquaviário no Conselho Diretor do FMM, para melhor gestão de onde vai ser aplicado o recurso do Fundo.
– Rever a participação de empresas (públicas e privadas) e instituições financeiras como membros do CDFMM. O papel de representação de interesses deve ser feito pelas entidades representativas dos setores envolvidos, e não por entes privados, pois há conflito de interesses.
– Garantir que os recursos do FNDCT, criado para o financiamento de programas e projetos de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico dos setores de transporte aquaviário e de construção naval, sejam efetivamente aplicados em pesquisas que promovam a ampliação da competitividade do setor.
– Repassar recursos do FDEPM para o SEST SENAT e viabilizar que o Sistema possa oferecer cursos de formação profissional para o segmento em suas Unidades, atividade que atualmente é exclusividade da Marinha do Brasil.
– Manter a vigência da não incidência do AFRMM para navegações de cabotagem, interior fluvial e lacustre cuja origem ou destino final sejam portos das regiões Norte e Nordeste.
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