Entenda como é o processo de formação de pilotos de linhas áreas no Brasil.
Para os passageiros, as viagens começam com a decolagem, logo após o aviso de afivelar os cintos. A viagem de quem está na cabine, porém, tem início muito antes. Comandantes e copilotos passam por um demorado processo de formação a fim de desempenhar suas funções. Parte dessa experiência fica anotada na CIV, a caderneta individual de voo, mas nem tudo se resume a rotas e horas acumuladas.
Em geral, quem voa alimentou esse sonho desde a infância. “A aviação é uma profissão apaixonante”, descreve Tiago Rosa, 38 anos, comandante em uma empresa aérea brasileira. “É uma vida muito diferente. Você fica muito tempo fora de casa e perde alguns momentos importantes com a família. Mas a recompensa vem pela arte de voar e pelo bem-estar de trabalhar em uma máquina fantástica. Só quem é piloto entende esse tipo de sentimento. Por ser uma formação cara e que requer muito estudo, normalmente quem chega às 500 mil horas de voo, com curso superior, é um apaixonado, alguém que lutou muito para chegar lá”, acredita.
Tiago Rosa foi nosso consultor para reconstituir os passos que levam à realização profissional de um aviador. No Brasil, há um script a ser seguido, com variações pequenas. O primeiro requisito é a idade mínima. Se você tiver 18 anos completos, já pode postular a habilitação de piloto privado (PP) tal qual a carteira de motorista. O trâmite passa necessariamente pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), que fará a conferência do indispensável comprovante de conclusão do ensino médio e do CMA (Certificado Médico Aeronáutico), por exemplo.
Antes de tudo, há uma exigência teórica. O aluno deve procurar um aeroclube ou uma escola homologada e fazer um curso de quatro meses, cujo objetivo é se preparar para a prova aplicada pela Anac. As matérias cobradas serão: regulamentação de tráfego aéreo; teoria de voo; conhecimentos técnicos; meteorologia; e navegação aérea visual. Só depois da aprovação, os candidatos podem começar a “colecionar” horas de voo.
Enfim, após isso, o aprendiz poderá “pôr os pés” em uma aeronave. A missão, agora, é completar pelo menos 35 horas de instrução e voo solo. Durante essa experiência, ele terá experimentado decolagens, aterrissagens, voos de navegação, voos noturnos, entre outras tarefas. “Depois, você faz um voo de cheque com um checador autorizado pela Anac, que pode ser um inspetor de Aviação Civil (os chamados inspacs) ou mesmo um instrutor da escola”, detalha Rosa. O sucesso nessa fase significa que, dali em diante, o indivíduo estará apto a fazer voos não remunerados.
Ainda não é uma profissão. O divisor de águas será a licença para piloto comercial (PC) de avião. Para obtê-la, é preciso enfrentar um novo curso teórico de mais quatro meses e prestar outra prova na Anac. Dessa vez, a parte prática reserva um desafio especial, pois são exigidas 150 horas de experiência, no mínimo. O batismo fecha com o cheque de piloto comercial. “Com o PC pronto, você pode arrumar emprego, mas, normalmente, os empregadores pedem também o IFR (Instrument Flight Rules – voo por instrumento) e a capacitação em multimotor”, acrescenta o comandante. Tudo vai depender da necessidade. Por exemplo: se o piloto for trabalhar para um fazendeiro que visita suas terras exclusivamente de dia, não precisará do IFR — e um monomotor estará de bom tamanho.
O PC tampouco é a linha de chegada. Na verdade, podemos considerá-lo a porta de entrada para a licença para piloto de linha aérea. Em normativo, a Anac prevê um mínimo de 1.500 horas de voo para quem quiser se habilitar na categoria, incluindo 500 horas como piloto em comando sob supervisão, 200 de navegação, 100 de voo noturno etc. Devem ser feitos os exames teórico e de proficiência (cheque) – tudo igual. Se for bem-sucedido, o candidato estará pronto para trabalhar para as grandes companhias de aviação civil e se tornar um verdadeiro cidadão do mundo.
Chegada a hora de se revelar para o mercado, surgem novos desafios. “Até pouco tempo atrás, as empresas aéreas tinham exigências curriculares de horas de voo para você se candidatar a uma vaga de copiloto. Quando eu entrei, em 2005, o número mínimo requerido era 1.500 ou 1.000 horas para quem tivesse curso superior. Depois de um tempo, esse número de horas de voo foi baixando e se adicionou a exigência do inglês”, conta o comandante Tiago Rosa.
Isso mesmo: a língua estrangeira passou a ser extremamente valorizada nas seleções de emprego. Para comprovar essa competência, há toda uma padronização. O certificado aceito é aquele conferido pela ICAO (International Civil Aviation Organization), órgão regulador mundial para a aviação. Funciona assim: a nota varia de 1 a 6. A aprovação começa com a nota 4, que proporciona um certificado válido por três anos. A nota 5 garante seis anos de validade. Com a nota 6, o piloto é considerado fluente e não precisa renovar a prova.
Em geral, as vagas são para copiloto. Daí para frente, cada aérea terá um plano de carreira próprio. “Uma vez que você entra na empresa como copiloto, você vai para um equipamento da empresa. Se a empresa tiver diferentes tipos, ela pode te trocar de equipamento e até de base no decorrer dos anos. Existem regras específicas para a mudança de base — a empresa tem de pagar um salário adicional. Mas, para a mudança de equipamento, não há uma lei, mas somente os regramentos internos”, esclarece Rosa.
As promoções levam em conta não somente a experiência acumulada mas também dependem da dinâmica das aposentadorias e da expansão das operações. Em empresas maiores, o topo da carreira costuma ser o posto de comandante de uma aeronave da linha internacional.
Como vimos, entre piloto privado (PP), piloto comercial (PC) e piloto de linha aérea, há uma nítida gradação. Essa escada, porém, é típica do mercado brasileiro. No mundo, a formação dos profissionais segue outras lógicas. A abordagem da Embry-Riddle é considerada paradigmática nesse quesito. A mais prestigiada escola de aviação do mundo oferece um bacharelado em Ciências Aeronáuticas com duração de quatro anos. Desde o primeiro dia de aula, o aluno está focado em ser um piloto profissional com especialização em linha aérea, aviação comercial ou aviação militar.
“Os alunos que estudam conosco não vão atrás pura e simplesmente de tirar suas licenças e habilitações de voo. Eles procuram uma formação completa, de alguém que vai seguir a carreira de piloto”, informa Fábio Campos, diretor-executivo da Embry-Riddle para as Américas Central e do Sul. A escola não estipula números mínimos de horas de voo para atestar a competência dos alunos. “Eles precisam terminar o currículo de treinamento. Então, haverá alunos com x horas, alunos com x + 20, porque, na verdade, depende da proficiência de cada um. Hoje, esse é considerado o melhor tipo de treinamento”, confirma.
A Embry-Riddle ministra o curso Certificação Internacional Aviation Management, oferecido pelo ITL (Instituto de Transporte e Logística) e pelo SEST SENAT para gestores do setor aéreo dentro do Programa Avançado de Capacitação do Transporte (veja na página 70).
A realidade do piloto de linha aérea é de eterno aperfeiçoamento. “Logo que os pilotos são admitidos na companhia, o treinamento inicial é de 230 horas de aulas teóricas, mais 80 horas em simuladores e 100 horas em instruções em rota”, informou a Latam Airlines Brasil em nota.
“Além disso, a grade de treinamentos inclui cursos teóricos periódicos e treinamentos regulares em simuladores de voo em parceria com o CAE South America Flight – líder mundial em treinamentos de aviação civil. Anualmente, os pilotos passam por reciclagem teórica de cerca de 50 horas e mais 16 horas em simuladores, sempre em conformidade com o treinamento específico de cada aeronave em que o tripulante é habilitado para operar”, completou a empresa.
A Latam mantém uma Academia de Serviços para qualificar seus empregados. Em 2018, a companhia promoveu mais de 92 mil horas de treinamento para mais de 21 mil colaboradores, sendo cerca de 2.000 pilotos.
O SEST SENAT oferece, atualmente, 39 cursos específicos para o modal aéreo, entre presenciais e a distância. Mais de 6.000 matrículas são realizadas a cada ano. O objetivo da entidade é expandir ainda mais essa oferta e, para tanto, está aberta a esforços coordenados com o Ministério da Infraestrutura. Em agosto de 2018, a entidade emitiu um comunicado oficial ao então ministro de Estado dos Transportes, Portos e Aviação Civil, Valter Casimiro Silveira, convidando-o a “conhecer a infraestrutura disponível no SEST SENAT e definir as melhores estratégias para a qualificação de Controladores de Tráfego Aéreo e para a expansão da oferta de cursos para esse modal”. Atualmente, um dos cursos presenciais de maior sucesso da instituição é o de Mecânico de Manutenção Aeronáutica.
Reportagem: Gustavo T. Falleiros