A Agência CNT de Notícias entrevistou o economista Fernando Camargo, sócio-diretor da LCA Consultores, sobre os resultados esperados com a PEC 241, que estabelece um teto para os gastos públicos, e o impacto sobre os investimentos. Ele também analisou o atual cenário da economia e os desafios para que ela cresça com sustentabilidade.
Fernando Camargo é economista pela USP e mestre pela Unicamp. Tem atuação em estruturação financeira, com foco em infraestrutura e expertise nos setores de energia, saneamento e logística.
O Brasil vive um momento de retomada do crescimento?
O Brasil encerra, neste ano, um período de recessão e já tem muitas evidências que, ao menos, quedas não serão mais visíveis daqui para frente. Sai de uma perspectiva negativa para uma positiva. Mas a retomada não deve ser consistente ou aquela que todo mundo gostaria de ver. Há uma melhora muito discreta da produção da indústria, mas que não está sendo sistemática, dando sinais claros de que essa retomada será claudicante, e o consumo das famílias ainda está totalmente de molho, sem reação, porque o desemprego ainda aumenta e a renda está caindo. Então o processo é lento. Para 2017, as projeções convergem para um crescimento de 1% a 1,5%. Mas ainda destoando do FMI, que crê em 0,5% em 2017, em razão, principalmente, das dúvidas sobra a capacidade de fazer mudanças e corrigir problemas.
Se aprovada pelo Congresso Nacional, a PEC 241, que fixa um teto para o crescimento dos gastos públicos, impactará de que forma sobre os resultados econômicos?
Ela tem um impacto efetivo fiscal muito limitado no curtíssimo prazo. Mas, a cada ano, a tendência é que esse impacto seja maior. A projeção é que lá na frente será possível gerar um superávit primário significativo. O efeito dessa PEC sobre a economia se dá pelo caráter da credibilidade, da confiança. Porque restrição de gasto, do ponto de vista da demanda, é uma política contracionista: é o governo tentando gastar menos. Os itens em que isso será ocorrerá são aqueles em que a discricionariedade do governo é a maior possível, como os investimentos públicos, que são os principais sobre os quais recaem os esforços de redução dos gastos. Exemplos disso são manutenção e ampliação de rodovias. Como o efeito da PEC é contracionista, a única forma de fazer a economia crescer é permitir um aumento dos investimentos privados, de modo que eles mais do que compensem a queda do gasto público. Mas isso não ocorre de uma hora para outra: tem que gerar melhoria efetiva da condição de investimento, e isso se faz reduzindo a taxa de juros. Ou seja, esse pacote fiscal só trará efeitos práticos para a economia, de fato e positivos, se houver redução da taxa de juros, e ela tem que ser expressiva e contínua. Já existe uma expectativa de redução a partir do mês que vem. Daí para frente, com essa PEC aprovada, é possível que se inicie uma trajetória de queda de juros consistente e isso vai permitir retorno do crédito, dos investimentos e do consumo das famílias de 2017 em diante.
O PPI (Programa de Parceria de Investimentos) será importante e poderá viabilizar, na sua percepção, a concretização desses investimentos privados nos próximos anos?
A relação não é tão direta. Existe uma leitura predominante nesse governo e no mercado de que, a partir de agora, com uma política fiscal mais ortodoxa, ou seja, estabilizando as contas públicas, você começa a jogar o jogo que o mercado gosta e agrada a investidores do mundo inteiro. A PEC ajuda para isso, mas outras medidas são necessárias, como a Reforma da Previdência e eventuais mudanças na política de salário mínimo - que hoje ele cresce de acordo com a inflação do ano anterior e com o PIB per capita e, com o tempo, implicará um aumento importante do mínimo, pressionando a Previdência e outras contas públicas. Mas isso só vai acontecer se houver resultados mais efetivos que, grosso modo, é redução de juros. Por isso não sei se dá tempo de o PPI ser estimulado de uma forma tão forte já no ano que vem. Além disso, outras coisas também são importantes, como definir com clareza o financiamento desse pacote. Embora o governo tenha dito que vai diminuir a parcela do BNDES nos próximos projetos, a meu ver, a melhora de confiança não será suficiente para trazer bancos e investidores em debentures para fazer o papel que, por enquanto, é do BNDES. Também há questões como reformas nas agendas regulatórias para tornar as agências independentes e acertar bem as regras para os próximos leilões e novos contratos. Isso me parece ainda mais importante do que outras variáveis, como confiança. Por fim, temos uma situação em que os principais investidores privados em infraestrutura não estão habilitados a concorrer nos próximos processos, seja porque estão passando por dificuldades nas suas empresas e na condução dos negócios, seja porque têm problemas de compliance maiores ainda, com restrições para que participem das concorrências do ponto de vista de idoneidade, ou porque ainda são pequenas e não têm balanços para dar em garantia. Então, a parcela do que tem a ver com o investidor em infraestrutura ainda não está bem resolvida. Não apareceram novos agentes, ainda, para substituir os anteriores.
E como ter sustentabilidade no crescimento econômico, para que os resultados se mantenham ao longo do tempo e as expectativas de expansão estejam apoiadas em políticas e dados consistentes?
Tem essa equação básica de qualquer macroeconomia moderna, que é ter uma inflação ajustada sob controle, contas públicas encaminhadas para uma situação de equilíbrio e estabilidade em termos de regras e contratos, que é o que apelidamos de segurança jurídica. A situação macroeconômica tem que ser tratada com cuidado. Não dá para buscar superávit fiscal na marra, no meio de uma recessão. Isso é inútil. A ideia de jogar o resultado do ajuste para o longo prazo é porque a situação de curto prazo é delicada. Sinalizar a melhora para frente e tentar fazer com que a economia reaja, para permitir esse ajuste fiscal, é uma jogada inteligente e tem que ser entendida como tal. O governo não tem como entregar superávit para este ano ou para o ano que vem. Do lado microeconômico tem a ver com regulação, contratos para licitação bem desenhados e negociados com o mercado, projetos bem feitos, para que não haja surpresas nos preços das obras, são elementos fundamentais para maior transparência e credibilidade nas ações do poder público. Porque o setor público precisa contar crescentemente com o setor privado para que essas coisas sejam executadas.
O senhor falou na importância da redução das taxas de juros. Qual a expectativa sobre as definições do Banco Central para os próximos meses?
O que se espera de redução de juros, começando neste ano para o ano que vem, é que 2017 termine com, pelo menos, 3,5 pontos abaixo de 2016. A aposta do mercado é que este ano encerre com uma redução na ordem de 0,5 ponto. Ou seja, seria uma redução total de 4 pontos com relação a outubro (14,15% a.a.). As atas do Banco Central têm dito que é fundamental que o governo federal contribua para esse processo, fazendo resultados primários favoráveis ou, ao menos, reduzindo os negativos. Ocorre que isso não dá para vislumbrar já no ano que vem, porque a PEC ainda não fará o efeito que se espera dela, que aparecerá somente mais para frente. Então, qual será a postura do Banco Central diante de um quadro fiscal que não vai melhorar tão rapidamente é difícil de prever. Se tiver que contar só com a melhora da inflação ou com a confiança, talvez também não venha um sinal tão favorável. Como a demanda viveu um hiato e deve ser maior no ano que vem, os resultados da inflação não serão melhores em 2017 do que em 2016. Então teria que contar com um esforço adicional, que o Banco Central tem jogado para os compromissos de ajuste fiscal. Então, pode ser que esses 4 pontos sequer sejam possíveis, por conta da política de meta inflacionária.
E o crédito?
A medida que você faz processo político fundado na responsabilidade fiscal, é evidente que esse aspecto do controle das contas ganha uma relevância incrível. Mas existe uma situação creditícia e de fluxo de caixa no mundo empresarial muito grave e preocupante. E, para isso, não há ninguém fazendo ações consistentes e efetivas, como alguma solução de crédito com taxas mais próximas das de mercado, de capital de giro para empresas em dificuldade, a fim de dar condições de salvamento a algumas empresas e evitar que elas quebrem de fato. Agir enquanto o problema é de caixa e não de balanço, para evitar que empresas, até então responsáveis por investimentos de grande monta, desapareçam completamente do sistema nos próximos anos.
Como o empresário deve se comportar nesse momento de incertezas?
Em geral, nesse tipo de cenário é necessário ser prudente, sobretudo nos segmentos mais tradicionais de cada empresa. Mas não dá para ser só prudente, tem que pensar em criar novos serviços o tempo todo. Ser bastante agressivo em situações de inovação, em que você pode criar uma demanda não existente ainda. Isso significa sair um pouco do convencional, que sempre é útil, sobretudo nos momentos de retração da atividade, como este que estamos vivendo. Isso tem a ver com aplicativos novos, soluções mais rápidas e eficientes. Mas naquele segmento tradicional, que você depende de economia crescendo, é necessário conservadorismo e prudência.
Qual a expectativa para o setor transportador? Pode ter uma retomada com esse leve aquecimento da economia?
Tem uma expectativa de leve melhora. Transporte tem muita ligação com atividade industrial e de consumo. Todas as projeções dão conta de uma melhora do consumo a partir do ano que vem, que também vale para a atividade industrial. O Brasil também tem substituído importações, tem conseguido exportar mais, tem havido movimentação de carga melhor, e do lado do consumo, apesar do desemprego, tem uma melhora da expectativa e da confiança, que tende a melhorar a demanda. Essas duas frentes, atividade industrial e consumo das famílias, são bastante favoráveis a uma melhora no mercado de serviços e de atividades do mundo do transporte.
A indústria automotiva teve uma queda expressiva na venda, em particular no caso dos ônibus e caminhões. Isso sinaliza um ânimo diferente para reaquecer as vendas nesse segmento industrial?
Certamente, embora aí tenha questões de fundo que não devem retomar tão rápido. O crédito ainda tende a demorar para voltar. Seja para aquisição de bens duráveis em geral e de médio valor, mas mais ainda para alto valor, como automóveis. Ainda tem situação de retração de oferta, um risco de inadimplência que está alto e constrange os bancos a oferecerem mais crédito e uma demanda ainda fraca. As pessoas não estão animadas a encarar mais uma rodada de endividamento dado que elas estão endividadas. Então, essa retomada de crédito vai ser mais lenta para o setor automotivo. Caminhões e ônibus é algo parecido. Em certos momentos houve crédito especialmente vantajoso para esses setores, o que está um pouco fora do horizonte para os próximos anos, como foi o PSI (Programa de Sustentação do Investimento, do BNDES), por exemplo. O retorno da atividade nesses casos tende a ocorrer conforme a demanda na indústria e no mercado como um todo mostrar firmeza.
Qual a importância do transporte para a economia brasileira?
Algumas questões são estruturantes e transporte é uma delas, para você fazer as ligações necessárias entre regiões, em um país com essa dimensão e diversidade. Criar eficiência nesse segmento é fundamental. Isso pode vir por meio de mudanças no padrão de consumo de combustíveis, por meio de mudanças na eficiência dos motores que usa, na qualidade dos equipamentos que disponibiliza, pela infraestrutura, pelos meios por quais você liga os pontos do país. E isso tudo depende mais de governo do que do setor privado, em termos de iniciativa e de políticas. Ganhar eficiência nesses segmentos como um todo é fundamental para ter mais competitividade, baratear, reduzir tempo e custos, levar os produtos de forma mais competitiva e efetiva para outros mercados. Isso é essencial. Em qualquer momento do tempo, por muito tempo, o transporte tem que ser prioritário para a economia.
E, nesse sentido, qual a importância dos trabalhos que a CNT desenvolve? São relevantes na definição das prioridades de investimento?
Sim e isso é bastante sabido. Mas a ideia de que precisa de qualidade e de que qualidade tem um custo é uma ideia que precisa ser martelada sempre. Não tem milagre em lugar nenhum, em economia alguma: qualidade implica custo. Qualidade está associada, por exemplo, a ter um pedágio mais elevado. É uma contrapartida que precisa estar balanceada. Mostrar que a qualidade está mais facilmente encontrável em trechos concedidos estimula muito que as concessões sejam cada vez mais aceitas pela sociedade. Esse é o custo a pagar por nos emanciparmos em infraestrutura.