A circulação do vírus da Covid-19 continua a gerar expectativas na economia, tanto em âmbito global como no Brasil. Existem, da mesma forma, questões que ainda demandam atenção, como encontrar um ponto de equilíbrio no cenário internacional. É o caso dos gargalos de oferta que foram gerados com a pandemia e a evolução da inflação. Apesar da apreensão econômica, a trajetória de recuperação paulatina que se segue pode traduzir-se em otimismo. No caso do Brasil, foi abordada a influência da situação política do país e as perspectivas para 2022. Esse panorama macroeconômico foi apresentado em palestra promovida pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) esta semana.
As observações são do diretor da LCA Consultoria, Fernando Sampaio. Economista pela Universidade de São Paulo e pós-graduado pela Universidade Estadual de Campinas, Sampaio abordou durante a explanação assuntos relacionados à macroeconomia do Brasil e analisou o cenário internacional para os próximos meses. O especialista falou ainda sobre a retomada das economias e ponderou o menor impacto da variante delta do coronavírus no momento, em comparação com os prejuízos em decorrência da primeira e segunda ondas da pandemia. “No geral, o nível de óbitos é baixo. A situação está preocupante na Indonésia. O país está na faixa de 1.500 mortes por dia, o dobro do Brasil”, avaliou.
Ao falar sobre os riscos de pressões inflacionárias, Sampaio destacou que embora as commodities, dentre elas alimentos, petróleo e metais, tenham subido muito, o período de “boom” de preços está interrompido. “Olhando para trás, as matérias-primas foram as maiores vilãs do aumento da inflação mundo afora. Olhando para frente, a perspectiva é de que, se depender apenas delas, a inflação vai perder ritmo”, observou.
Para o especialista, outra preocupação transitória no momento está relacionada ao frete, que, mesmo com a demanda moderada por bens e serviço, tem subido muito. “A pandemia desorganizou as cadeias de suprimentos. Houve portos fechados e fábricas paradas por semanas por precaução sanitária”, pontuou. A subida do frete marítimo por falta de contêineres devido à desregulagem do fluxo é um exemplo que se encaixa nesse cenário. De acordo com o palestrante, essa persistência de gargalos de oferta nas cadeias globais de suprimento deixa os agentes econômicos em estado de alerta. “No Brasil, por exemplo, faltam chips e não se completa a fabricação de carros”, acrescenta.
Os analistas de mercado estão revendo suas expectativas de inflação para cima em 2021. Além de pesar sobre os orçamentos familiares, a inflação mais salgada vem instigando o Banco Central a mudar a orientação da política monetária – que deverá ser levada a terreno levemente contracionista até o final deste ano. Ao lado disso, o forte recrudescimento recente de riscos políticos e fiscais exerce pressão sobre a estrutura de juros e encarece o financiamento de longo prazo – situação que, se persistir, tende a desestimular investimentos. Por fim, é preciso lembrar que os riscos energéticos permanecem elevados.
CONFIRA A SEGUIR ALGUMAS DAS PERGUNTAS RESPONDIDAS POR FERNANDO SAMPAIO NA PALESTRA PROMOVIDA PELA CNT
Na perspectiva de um cenário de arrocho fiscal e de impactos no investimento público, quais seriam as necessidades mais essenciais em termos de política econômica para que haja um investimento robusto do setor privado que puxe o crescimento de forma sustentada?
O panorama é paradoxal. Para o ano que vem, o governo quer gastar, devido ao período eleitoral. Isso deixa o mercado financeiro em estado de alerta. A expectativa, entre 2016 e 2022, era de que seriam aprovadas imensas reformas que diminuiriam muito o gasto público. O que ocorreu foi que as reformas aprovadas foram muito menores do que se supunha.
O grande desafio para o próximo presidente é compatibilizar o diálogo com o Congresso e com a sociedade sobre a questão dos gastos com saúde, educação e segurança. Além disso, será necessário rediscutir investimentos e as necessidades de se ter um teto funcional, que tenha um papel de controle, mas que não sufoque o governo em exercer suas funções para a população.
Diante desse panorama, como fica a perspectiva para o setor do transporte de passageiros?
O transporte de passageiros tem de se preparar para duas situações: o efeito demanda reprimida e, depois, a tendência de retomar o ritmo moderado de crescimento de médio a longo prazo. A situação do mercado de trabalho vai melhorar, porém ainda é delicada, especialmente para a população de baixa renda. A normalidade do setor pode ser algo mais gradual, após essa recuperação da crise recente. A curto prazo, as pessoas querem voltar a viajar. O salto na procura vai ser neste segundo semestre e no começo do ano que vem.
Com relação à infraestrutura de transporte, é possível acreditar que o mercado tem condição de suprir o espaço deixado pelo financiamento público? E, se possível, quais seriam as perspectivas de prazos para essa transição? Podemos esperar uma nova orientação política em termos de aumento de financiamento via BNDES no próximo governo?
Acredito que sim. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) é um instrumento para financiamento no Brasil muito importante para o setor de infraestrutura, na oferta de crédito de longo prazo, algo escasso no país. O BNDES não deve ser entendido como impeditivo para o desenvolvimento do mercado de capitais. Ambos devem andar juntos.
O investimento em infraestrutura nos últimos anos, em particular pelo governo, ou seja, pelo setor público, nunca foi tão baixo. Percebe-se que o país está investindo menos porque há depreciação das estradas. Não somente não se está expandindo a malha rodoviária da maneira desejada, como a que já existe está se deteriorando. Essas necessidades teriam de entrar na discussão sobre a arrecadação do país.
Em relação à questão de concessões, como o senhor analisa a proatividade do investidor, principalmente estrangeiro, para investir no Brasil?
O dólar alto é um fator de atração. Está muito mais barato comprar ativos brasileiros. Enquanto o cenário político nacional estiver muito conturbado, a tendência do investidor é esperar. Depende-se desse conjunto para dar uma percepção de estabilidade e confiabilidade para quem vai fazer uma aposta de 20 ou 30 anos no país. É preciso baixar a poeira. Esse desafio não é só para o governo, é também para a sociedade e todo o sistema político.
Apesar da previsão de queda da inflação que o senhor fez na sua apresentação para a partir do ano que vem, na prática de reajustes eventuais no Brasil, o patamar só sobe. É o caso dos combustíveis. Mesmo com descontos e queda de preços nas refinarias, a redução não chega para o consumidor. Como o senhor avalia o impacto disso, sobretudo no diesel?
À luz de projeções para o petróleo e o câmbio, o preço do diesel, que caiu 3,3% em 2020, fechará 2021 com alta de 27,2% e subirá mais 6,3% em 2022. O combustível está caro por causa do dólar e do petróleo. Difícil o dólar cair com a incerteza política. Se a Petrobras fosse manter o preço dos combustíveis na refinaria alinhado com os critérios apresentados, teria de aumentar o preço. O combustível está caro, embora esteja defasado. É o caso do diesel, que vem sendo muito impactado. E não há um horizonte de curto prazo que permita dizer que esses preços vão cair.