Aprovada pelo Senado Federal, na última semana, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 1/2021 – que determina que pelo menos 70% dos recursos obtidos com outorgas onerosas de obras e serviços de transportes sejam reinvestidos no próprio setor – tem potencial de reverter a trajetória de queda de investimentos públicos em transporte no Brasil.
De acordo com o texto, os recursos deverão ser empenhados (reservados para pagamento) em até cinco anos após o efetivo recebimento dos valores das outorgas pagas pelas empresas. O autor da proposta é o senador Wellington Fagundes (PL-MT) e o relator, o senador Jayme Campos (DEM-MT).
Campos calcula que a PEC direcionará ao setor de infraestrutura de transportes pelo menos cerca de R$ 7 bilhões por ano. "Esse montante é ligeiramente inferior aos R$ 8 bilhões que o governo federal investiu em infraestrutura de transportes em 2021, volume que, cabe destacar, é muito baixo e insuficiente para as necessidades do país”, disse o relator quando da aprovação da matéria no Senado.
Ele explica que a proposta oferece uma espécie de piso garantido que assegure um mínimo de continuidade aos programas de investimentos de transporte, de forma a evitar que as regras do teto de gastos, no futuro, comprimam seu orçamento para além do aceitável.
A PEC integra a Agenda Institucional da CNT e é resultado de um amplo diálogo promovido pela Frenlogi (Frente Parlamentar Mista de Logística e Infraestrutura), com o objetivo de sanar a insuficiência de investimentos públicos em infraestrutura. "É fundamental termos recursos destinados para garantir uma infraestrutura adequada para que a economia do país possa ser retomada e os nossos produtos sejam competitivos. Sem esses recursos, poderia haver consequências danosas aos diversos modais do transporte e ao desenvolvimento do país", afirma Vander Costa, presidente da CNT.
A exemplo de anos anteriores, o baixo investimento do governo federal em infraestrutura para o transporte sofreu uma nova queda e passou de R$ 8,69 bilhões, em 2021, para R$ 8,58 bilhões, em 2022. A quantia representa apenas 20% dos R$ 42,90 bilhões autorizados pela União em 2012, ano com a maior cifra em duas décadas.
Na avaliação do investimento autorizado em transporte como porcentagem do PIB (Produto Interno Bruto) entre 2001 e 2020, percebe-se um patamar baixo ao longo dos anos. Mesmo considerando o pico da série (0,52%), em 2012, esse percentual é significativamente inferior ao realizado, por exemplo, em meados da década de 1970 – época na qual o recurso federal para o transporte era próximo a 2% do PIB. Além disso, de 2015 a 2020, essa proporção tem se mantido menor do que a média da série (0,30%), tendo chegado a 0,13% em 2020 (último ano de cálculo fechado do PIB).
A chamada PEC da Infraestrutura – que, agora, tramita na Câmara dos Deputados – trata somente das chamadas "outorgas onerosas" de serviços e de infraestrutura de responsabilidade da União. Outorgas onerosas são concessões emitidas pelo Poder Público para a exploração de serviço ou infraestrutura mediante o pagamento, pelas empresas, de contrapartidas financeiras.
Para Raul Velloso, consultor econômico e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, o país precisa voltar a investir pesadamente em infraestrutura, caso contrário, o PIB não decola.
“Em um gráfico dos anos 1980 para cá, se veem as curvas da razão Investimento-PIB e da taxa de crescimento deste perfeitamente coladas, mas ambas indo para baixo. Investimento privado ou público? Nos últimos 25 anos, o privado oscilou ao redor da média de 1,1% do PIB, enquanto o público caiu não menos que sete vezes, mesmo quando medido em porcentagem do PIB”, afirma.
Velloso considera a PEC bem-vinda na medida em que ela, quando “amarra” um novo pedaço das receitas federais ao investimento em infraestrutura, pode dar início a um processo de reposição das perdas orçamentárias por meio dessa nova vinculação.
Ele critica o excesso de rigidez orçamentária no Brasil, e explica que isso impede que haja espaço para investir em infraestrutura e aumentar a produtividade da economia brasileira. “Essa rigidez se manifesta pelo excesso de vinculação de receitas, que poderiam ser para uso em infraestrutura. Por exemplo, vincula-se certo imposto ao gasto com educação. Esse dinheiro não pode ser usado em infraestrutura. Você retira a possibilidade de a infraestrutura ser objeto de expansão por conta do dinheiro que está vinculado.” Velloso completa destacando o fim dos impostos únicos, com a advento da Constituição de 1988. “Todos eles eram vinculados a investimentos em infraestrutura e foram extintos.”
Mesmo com a eventual aprovação da PEC da Infraestrutura, o consultor alerta que o Brasil precisa equacionar o seu déficit previdenciário para voltar a investir em transporte. “ O novo dono do orçamento é o gasto previdenciário com os regimes de servidores públicos. Ele começou a disparar em 2006. De lá para cá, os gastos com Previdência passaram de R$ 25 bilhões para R$ 100 bilhões por ano”. Na avaliação do especialista, essa recuperação com receita de outorga, que pode vir a partir da PEC, ajudará, sim, mas não sabe quanto haverá de reposição da perda da Previdência.
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