Em junho de 2018, houve um movimento de paralisação patrocinado pelos carreteiros que, no início, pleiteavam a redução do preço do óleo diesel. O Brasil era presidido por Michel Temer em um momento de baixa popularidade e fraqueza política, o que tornava difícil a governabilidade do país. O que desencadeou o movimento dos carreteiros foram as constantes variações no preço do óleo diesel, que apresentava tendência de alta significativa, mas também com algumas reduções que não aliviavam nada, prejudicando as negociações de repasse junto aos embarcadores.
O transporte de cargas no Brasil é pulverizado e opera no regime de livre concorrência, envolvendo mais de 250 mil empresas e cerca de 800 mil autônomos. Do outro lado, contratando os fretes, temos grandes embarcadores organizados em associações fortes, que não encontram dificuldades para impor suas condições e reduzir os valores pagos aos transportadores. Na ocasião da paralisação dos carreteiros, a remuneração do transporte rodoviário estava tão baixa que não cobria sequer o custo do óleo diesel para fazer a viagem de volta do destino de entrega da carga. Embora o estopim da greve tenha sido o preço do diesel, o problema maior era a baixa remuneração do transportador autônomo.
No primeiro momento, a greve teve a simpatia da população. Mas, com o passar dos dias, veio o desabastecimento. Fraco, o governo demorou a entender a responsabilidade da Petrobrás. Na pressão, diante das filas imensas nos postos de combustíveis e das prateleiras vazias nos supermercados, Temer decidiu usar recursos do Tesouro Nacional para subsidiar o preço do diesel. A essa altura, a popularidade da greve já havia atraído pessoas de fora da categoria, com outros interesses, inclusive políticos. Foi nesse cenário que o tabelamento do frete, desejo antigo de uma minoria, foi incluído de última hora na pauta de negociações.
Adotado por Medida Provisória posteriormente convertida em lei, logo a constitucionalidade do tabelamento passou a ser questionada. Esse imbróglio se prolongou até o final do governo Temer e foi herdado pelo presidente Bolsonaro, que incumbiu o Ministério da Infraestrutura de buscar uma solução. A postura do Ministro Tarcísio Freitas, de dialogar e construir um acordo, é nobre e correta, mas de difícil execução. Muitos dos líderes dos caminhoneiros concordam que a tabela seja apenas referencial, mas não querem dar publicidade a essa posição temendo reações agressivas de uma minoria que insiste no tabelamento.
É oportuno lembrar que, no final do movimento grevista, foi percebida a infiltração de pessoas não vinculadas ao transporte, que costumam utilizar greves, invasões e agressividade para alcançar visibilidade política. Essas pessoas continuam rondando os caminhoneiros.
Na realidade, o que os carreteiros querem é uma remuneração digna, que lhes permita manter os caminhões e cuidar da família. Tendo remuneração digna, não importa se existe tabela e, se, caso exista, que seja impositiva ou referencial. É preferível uma tabela referencial que seja aceita e paga pelos embarcadores do que uma tabela impositiva que não é praticada, como vem ocorrendo.
Em negociações lideradas pelo Ministério da Infraestrutura, vemos muitos embarcadores concordando em adotar a tabela elaborada pela ESALQ (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) como uma referência nas negociações de fretes. No entanto, eles condicionam esse acordo à extinção de um eventual passivo. Aqui fica uma dúvida: Se os embarcadores têm certeza da inconstitucionalidade da tabela, como dizem, por que a exigência de formalização da extinção do passivo? Se entendem que a tabela da ESALQ é correta, melhor seria passar a praticá-la imediatamente. Assim, estaria garantida a justa remuneração dos transportadores sem risco de geração de passivo por descumprimento da tabela.
Os carreteiros, por sua vez, não estão dispostos a abrir mão de eventuais penalidades, mas aceitam a tabela da ESALQ mesmo alegando que ela contém distorções.
A adoção voluntária da tabela da ESALQ põe fim ao argumento dos carreteiros de que o tabelamento impositivo é necessário para suprir o desequilíbrio econômico-financeiro, fato constatado em determinados locais e em algumas regiões.
Praticar a tabela é pacificar o movimento, tornando remoto o risco de novas paralisações. Um acordo nesses termos pavimentará o caminho para a adoção uma tabela referencial, que possa ser extinta aos poucos, no mesmo ritmo de estabilização do mercado frete. Encerrar o impasse é fundamental para a retomada do crescimento da nossa economia, que depende muito do transporte para ganhar impulso e movimento.
O julgamento da constitucionalidade da Tabela de Frete, no Supremo Tribunal Federal, está marcado para o dia 4 de setembro, mas a conclusão dessa demanda não está garantida. Já vimos casos de alteração da pauta ou de pedidos de vista que adiam decisões do tribunal indefinidamente.
A tese da inconstitucionalidade é forte, mas há quem defenda o tabelamento em casos de desequilíbrio do mercado, o que seria perfeitamente aplicável à época da edição da Lei. Portanto, não há certeza nem clareza quanto ao resultado do julgamento.
A aplicação espontânea da tabela ESALQ fortalece a tese de Inconstitucionalidade, pois demonstram que temos um mercado estável e equilibrado, que dispensa a interferência do Estado por meio do tabelamento impositivo.
Uma possibilidade no julgamento pode ser um voto médio, autorizando o tabelamento por um período curto, o suficiente para que o mercado se reequilibre já prevendo a volta da liberdade ampla na formação dos preços.
Desse episódio, todos os setores envolvidos podem tirar vários ensinamentos. Um deles indica que a liberdade deve ser exercida com responsabilidade para evitar desequilíbrios, impasses e crises que causem grandes prejuízos.
Vander Costa
Presidente da CNT – Confederação Nacional do Transporte