O crime organizado e a “indústria” em torno dos roubos de cargas nas rodovias brasileiras foram responsáveis por mais de 22 mil ataques a motoristas em todo o país no ano passado. A ação de associações criminosas especializadas no roubo e na receptação de cargas provocou prejuízos ao setor de transporte de quase R$ 2 bilhões. Isso é o que indica o levantamento anual da NTC&Logística (Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística), consolidado a partir do cruzamento de dados da Polícia Civil, da Polícia Militar e da Polícia Rodoviária Federal. O cenário é alarmante para os transportadores e compromete a atividade, mas existe um indicativo de melhora. O documento revela que as ocorrências vinham aumentando até 2017 (quando o número chegou a 25.950 roubos no país), porém, caíram 15% no ano passado. A Agência CNT começa a veicular, a partir desta segunda-feira (22), uma série de matérias sobre esse problema social e como ele vem afetando a atividade transportadora e, por extensão, o desenvolvimento do país.
A intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro, estado com mais registros desse tipo de crime, é apontada como principal elemento para a queda. Mas os transportadores também citam a crise econômica – e a consequente baixa da demanda (com menos caminhões nas estradas) – como um dos possíveis vetores desse resultado. De qualquer forma, a atividade transportadora é profundamente afetada por essa prática. Segundo o estudo Conjuntura do Transporte – Desempenho do Setor, recém-lançado pela CNT, o transporte rodoviário vem sentindo os efeitos desse problema, especialmente na região Sudeste. Em 2019, o fluxo de veículos pesados do primeiro trimestre ficou 8,8% abaixo do período pré-recessão (março de 2014). A situação é mais crônica no Rio de Janeiro, que registrou fluxo 18,8% abaixo do período de pré-recessão.
Para entender a dimensão do problema, é importante lembrar que o Brasil é o país que possui a maior concentração rodoviária de transporte de cargas entre as principais economias do mundo. A malha rodoviária concentra 61% do escoamento da produção. Isso indica que quase tudo o que é produzido aqui viaja pelas rodovias brasileiras para chegar a seu destino. O setor fica, portanto, vulnerável a ações articuladas de organizações. Aliadas a isso, estão a falta de aparato de resposta da segurança pública e as penalidades brandas.
Nesse sentido, o setor de transporte reivindica investimentos maciços na segurança, fiscalização nos pontos de vendas, aproximação formal da polícia com o setor privado e alteração no Código Penal, no que diz respeito ao crime de receptação. Isso porque, atualmente, a pena para quem conscientemente compra, recebe ou transporta mercadorias roubadas vai de um a quatro anos de reclusão. Se a receptação se der com fim comercial ou industrial, o crime é qualificado; e a pena pode chegar a oito anos.
O presidente da Confederação Nacional do Transporte, Vander Costa, e representantes do setor transportador reuniram-se, em maio, em Brasília (DF), com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, para, entre outras questões, tratar de políticas e ações para coibir o roubo de cargas. Segundo o presidente da CNT, o governo está comprometido com essa agenda, e o chefe da pasta prometeu respostas no curto prazo. “Nosso pleito, junto com o governo, é no sentido de combater efetivamente o roubo de cargas, atingindo quem se beneficia com ele, que é o receptador”, diz Vander Costa.
No início deste ano, o presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou, com vetos, uma lei que modifica o Código de Trânsito Brasileiro para punir o motorista que usar o veículo para os crimes de contrabando, descaminho, furto, roubo e receptação de mercadorias. Pela lei, se o condutor for condenado por alguma dessas práticas em decisão judicial transitada em julgado, terá cassado seu documento de habilitação ou será proibido de obter a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de cinco anos.
O governo, porém, deixou de fora os trechos que puniam as empresas nos crimes que envolvem cargas. Foi vetada a possibilidade de cassação do CNPJ da empresa que transportar, distribuir, armazenar ou comercializar produtos provenientes de furto, contrabando ou descaminho ou produtos falsificados. Também não entrou na lei a pena que seria aplicada a empresas que não afixassem no estabelecimento comercial advertência escrita, de forma legível e ostensiva, de que é crime vender cigarros e bebidas de origem ilícita.
O presidente da CNT lamenta os vetos, mas reforça que o trabalho de articulação junto ao governo continua e espera novidades nesse campo, em especial no âmbito do pacote anticrime que tramita no Congresso Nacional. “Esperamos que agora o governo tome a iniciativa de realmente atacar o roubo de cargas atingindo o objetivo de quem rouba, que é o lucro. Entendemos que é uma punição econômica que vai fazer com que se desestimule o roubo de cargas.”