Em um certo sentido, a pandemia permitiu vislumbrar o futuro. Com a aceleração do comércio eletrônico durante o confinamento, cenários que pareciam distantes já estão batendo à porta. A mudança de escala da demanda online detonou uma reação em cadeia, pressionando transporte e logística por mais eficiência. As soluções que vêm despontando são fortemente baseadas em convergência tecnológica. Trata-se de uma realidade com uso extensivo de dados, alto grau de conectividade entre dispositivos e emprego de mão de obra robótica.
“A covid-19 tornou irreversível a revolução digital também dos transportes. Apostaria que novas tecnologias digitais avançarão mais rápido do que a entrada de novos equipamentos. As novas tecnologias já melhoram os produtos, os serviços existentes e a tomada de decisão. Elas otimizam processos e promovem a criação de novos negócios, que exigirão mais e diferentes postos de trabalho”, aponta o economista e professor José Roberto Afonso, sócio-fundador da consultoria Finance.
“Por exemplo, as tecnologias embarcadas já contemplam, inclusive, o uso de técnicas de inteligência artificial para lidar com grandes conjuntos de dados e obter previsões com mais assertividade. Entre outras coisas, é possível saber qual o melhor motorista do dia ou qual o motorista que está próximo de cometer um acidente”, ilustra o especialista. Sobre a velocidade em que as mudanças estão ocorrendo, Afonso faz um alerta às empresas: “Não se iludam de que haveria o momento certo para pensar o assunto no futuro. A decisão certa é mergulhar na questão desde já”.
Embora as ferramentas disponíveis aqui e agora já sejam muito sofisticadas, há a percepção de que a entrada em funcionamento da rede 5G elevará ainda mais as possibilidades de inovação nos próximos anos. “Superada de vez a questão da pandemia, o setor transportador terá pela frente o desafio de implementar a inteligência de dados em todos os níveis da operação. Cada vez mais, veículos e sistemas estarão integrados, o que trará maior agilidade e oportunidades de negócio. Manter-se na vanguarda é de suma importância”, comenta o presidente do Sistema CNT, Vander Costa.
Para aqueles que sonham com veículos autônomos circulando em rodovias, há notícias promissoras. Em março do ano passado, a startup Locomation anunciou um programa-piloto com a Wilson Logistics. Em setembro, finalmente, os resultados foram revelados. A empresa norte-americana decidiu equipar 1.120 caminhões de sua frota com uma tecnologia que os torna autônomos de nível 4. Em breve, eles estarão rodando na Costa Oeste do país, pela Pacific Nothwest, partindo de Portland.
Batizada de ARC (autonomous relay convoy), a operação é engenhosa. Os caminhões circulam em duplas. O veículo líder, que vai à frente, conta com um motorista e um copiloto, que se revezam ao volante. Isso ajuda a atender à legislação dos EUA, que permite um máximo de 11 horas de serviço, intercalado por, no mínimo, dez horas de descanso. Já o caminhão-satélite, que faz o acompanhamento a uma distância de sete metros, não tem motorista. Isso é possível graças à plena coordenação entre os equipamentos, munidos de sensores. Darrel Wilson, CEO da empresa, garante que a dinâmica reduz em 8% o gasto com combustível e que os motoristas ganham qualidade de vida.
A popularização dessa tecnologia, porém, ainda deve demorar. Os especialistas apontam, como entraves, a necessidade de uma regulamentação específica para esses veículos e a instalação de uma rede 5G que garanta um fluxo robusto de dados.
O fato é já existem soluções capazes de entregar o que esperamos do futuro, garante Daniel Schnaider, CEO da Pointer by Powerfleet Brasil, empresa especializada em IoT de frotas. Mais especificamente, eles atuam em quatro frentes: redução de custos; prevenção de acidentes; segurança contra roubo de cargas; e monitoramento da qualidade do produto transportado. Seus clientes são de grande porte, a exemplo da Ambev, Claro, BRF e JSL.
“Não é o veículo autônomo, mas a gente brinca dizendo que é o semiautônomo”, afirma o CEO, referindo à frota equipada com o DFT (drive feedback device). Grosso modo, trata-se de telemetria interativa e responsiva, com algoritmos constantemente aperfeiçoados pelo envio de dados e que fala diretamente com o motorista. “Em média, uma frota nossa gasta 26% a menos de combustível. Temos 16% a menos de custo de manutenção. Conseguimos uma melhora mínima de 400% na qualidade de direção”, detalha.
A inteligência, explicita o CEO, não está apenas em cruzar distâncias e fazer entregas de A até B. Há mais sutilezas. “A inteligência artificial pega os dados do veículo e pode inferir sobre o futuro: tem 70% de chances de quebrar nas próximas duas semanas. Então, nós já corrigimos e o colocamos na estrada”, exemplifica. Isso permite tomadas de decisão do tipo: comprar veículos com suspensão mais robusta, ainda que sejam mais caros, pois isso compensará no longo prazo. “A conta não é só de tempo e combustível. Se você transporta ovos, precisa saber quantos chegarão quebrados do outro lado. Então, utiliza o dado da telemetria relativo ao nível de trepidação da rota”, conclui.
Embora a tecnologia dos veículos autônomos para transporte rodoviário de cargas esteja apenas no início, outros modais já funcionam com sistemas automatizados em alto nível. O exemplo mais óbvio é o transporte aéreo, que conta com aeronaves que, teoricamente, podem realizar manobras e pousar sozinhas. O modal metroferroviário também oferece operações driveless, ou seja, que dispensam motoristas humanos. Sobre essas inovações, a reportagem ouviu o diretor de Segurança e Operações de Voo da Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas, Ruy Amparo, e o diretor presidente da ViQuatro e da ViaMobilidade, Francisco Pierrini. A entrevista com ambos pode ser assistida aqui. No vídeo, também temos o depoimento do CEO da Pointer by Powerfleet Brasil, Daniel Schnaider.