Em voos domésticos, cada passageiro pode voar com até 10 kg de bagagem de mão sem precisar pagar por isso. Esse é o entendimento pacífico desde 17 de junho, quando o presidente da República vetou um trecho da medida provisória nº 863. A passagem controversa era aquela que previa a gratuidade para o embarque de até 23 kg. Tratava-se de um adendo feito pela comissão mista da Câmara dos Deputados e do Senado Federal que havia analisado a matéria e destoava do espírito original da medida provisória.
Editada em dezembro de 2018 pelo governo Temer, a MP alterou o Código Brasileiro de Aeronáutica. Agora confirmada, a redação, além de determinar sobre a franquia de bagagens, extingue o limite de até 20% de participação de capital estrangeiro com direito a voto em empresas concessionárias ou autorizatárias de serviços aéreos públicos. Em outras palavras, o setor está aberto a investimentos estrangeiros, com a ressalva de que empresas constituídas em outros países continuam impedidas de realizar a cabotagem – transporte aéreo de passageiros, carga e correio entre pontos no Brasil.
São muitos os potenciais dessa alteração. No próprio texto da MP, o então ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil, Valter Casimiro Silveira, antecipava alguns pontos. “Entre os possíveis benefícios, destacam-se o aumento da competição e desconcentração do mercado doméstico; o aumento da quantidade de rotas e cidades atendidas pelo transporte aéreo regular, bem como a melhor integração a rotas internacionais; a redução do preço médio de passagens; a absorção de novas práticas gerenciais e tecnologias utilizadas em mercados desenvolvidos etc.”, listou.
Ainda que essas previsões exijam tempo para se confirmar, o setor comemorou a sanção de Jair Bolsonaro por proporcionar um ambiente de negócios mais aberto e, ao mesmo tempo, juridicamente seguro. Em nota, a Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) pontuou que, “com a decisão, fica preservado o objetivo principal da MP nº 863/2018, que é o aumento da competitividade no setor por meio da ampliação do acesso de capital estrangeiro na aviação comercial brasileira. Isso aproxima a nossa realidade das melhores práticas internacionais e favorece o interesse de investidores no país”.
Com relação às regras para a bagagem, a associação celebra o “retorno ao modelo antigo”, compatível com a resolução nº 400 da Anac (veja mais a seguir). Como disse o presidente da Abear, Eduardo Sanovicz, em artigo para a Revista CNT Transporte Atual, “a desregulamentação do transporte de bagagem despachada permitiu a oferta de produtos mais simples e econômicos, ampliando a liberdade de oferta e escolha”. Segundo ele, “essa foi uma medida benéfica para empresas e consumidores. Permitiu alcançar justamente o público mais sensível a preço, ajudando a devolver aos aviões cerca de 7 milhões de passageiros que haviam deixado de viajar no auge da crise”.
Mais cautelosa é a análise de Pedro Godeguez, professor de Economia do Ibmec SP, para quem “a abertura ao capital estrangeiro pode gerar benefícios, mas não é condição suficiente”. Diz ele: “O fato de abrir o setor ao capital estrangeiro não significa que o capital de fato virá, como no ditado sobre levar o burro até a água, mas não poder fazê-lo beber água. A atratividade do setor e da economia brasileira deve ser considerada também”.
Para o especialista, a experiência internacional e a lógica econômica estão a favor dos passageiros, que podem esperar passagens mais em conta. “Esse é o efeito esperado caso a abertura se traduza em ampliação da concorrência e do número de empresas atuantes no setor. No entanto, devemos nos questionar se esse efeito sobre os preços tem prazo de validade, bem como se os possíveis novos entrantes e as empresas já atuantes terão a capacidade de praticar preços menores ao longo do tempo, uma vez que os custos associados ao setor são naturalmente elevados, e ainda mais elevados no Brasil”, pondera.
Um eventual boom da aviação comercial pode bater no teto rapidamente se não houver incremento da infraestrutura, considera o acadêmico. “Com a malha aérea que temos hoje, podemos sentir os efeitos das limitações estruturais dos aeroportos, principalmente nos momentos em que a economia esteve mais aquecida ou em picos de demanda. Se a intenção é que haja crescimento do número de empresas, rotas e destinos, os investimentos em infraestrutura devem acompanhar, principalmente, se quisermos estimular voos em aeroportos regionais”, alerta.
Em nota à imprensa, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) tratou a sanção presidencial como um “importante marco para a aviação civil no país”. Sobre a desregulamentação da franquia de bagagem obrigatória, a agência salientou que o principal objetivo da medida seria “ampliar a oferta de alternativas de serviços e preços para a escolha do passageiro, de maneira a melhor atender às suas preferências com maior transparência nas relações de consumo”. Porém, mais do que um afago ao consumidor, a medida é um atrativo para as chamadas companhias low cost.
Bastante popular em outros países, o conceito de empresa aérea de operação de baixo custo é relativamente novo no Brasil. As portas para essas operações foram abertas em dezembro de 2016 pela resolução nº 400, da Anac. Esse normativo busca alinhar as regras da aviação brasileira a padrões internacionais, o que inclui protocolos sobre check-in, situações de atraso e cancelamento de voos, apresentação de comprovante de passagem aérea etc. Está lá, inclusive, o entendimento de que “o transportador deverá permitir uma franquia mínima de 10 (dez) quilos de bagagem de mão por passageiro de acordo com as dimensões e a quantidade de peças definidas no contrato de transporte”.
Nesse sentido, a “medida provisória do capital estrangeiro” já pode ser considerada um sucesso. Contatada pela reportagem, a Anac manifestou que o primeiro resultado concreto da medida “foi a outorga para operar no mercado doméstico concedida à Globalia Linhas Aéreas, grupo espanhol que controla a empresa Air Europa. No mercado de voos internacionais, três empresas estrangeiras low cost já chegaram ao país: a europeia Norwegian, a chilena Sky Airlines e a argentina Flybondi”. A assessoria da agência informou ainda que, “após a aprovação da MP no Congresso Nacional, outros dois grupos internacionais interessados em iniciar operações no Brasil já procuraram a Anac em busca de informações sobre o tema”.