Lá se vão 30 anos desde a primeira vez que Mauro Castro pegou um táxi para dirigir. Era um fusca com poucas comodidades, sem ar condicionado ou ar quente, por exemplo - um desafio para quem tem que lidar com o calor escaldante do verão ou com o frio “de renguear cusco” (como se diz pelas bandas do Rio Grande do Sul) do inverno de Porto Alegre.
Hoje em dia, a vida é bem diferente: o carro tem uma série de opcionais que simplificam e aumentam o conforto da rotina de trabalho. Alguns aplicativos ajudam a encontrar clientes e escolher a melhor rota. Outros, mostram-se desafios ao aprimoramento da profissão. Mas uma coisa não mudou: “o banco do taxi é um ponto privilegiado de observação do comportament?o das pessoas e das mudanças da sociedade”.
Quem diz isso é o próprio Mauro que, desse ponto privilegiado, começou a perceber a atividade de taxista com outros olhos e, assim, encontrar matéria-prima para fazer literatura e, mais recentemente, fotografia.
A literatura
Tudo começou há 13 anos. Com centenas, talvez milhares de histórias para contar das corridas, Mauro foi convidado por um passageiro frequente, editor de um jornal popular de grande circulação, para ser um dos colunistas. Por doze anos, ele relatou, semanalmente, suas experiências, das mais bizarras até as mais engraçadas. Então, surgiu o blog Taxitramas. E, mais tarde, da coletânea de histórias nesses dois espaços, três livros já lançados:
Taxitramas - diário de um taxista volumes 1, 2 e 3.
“O táxi é um ambiente literariamente muito rico. Passam por ele desde a prostituta até a freira, desde o cara que está indo buscar drogas para passar a noite numa balada até o pós-graduado em Harvard indo para o aeroporto. As corridas dão flashes do que está acontecendo com a vida deles”, diz Mauro.
Os personagens e os relatos são tão curiosos que, às vezes, parecem até ficção. Como a freira que foi ao convento porque queria viver de música e achava que somente lá poderia fazê-lo. O garoto que punha cupins no piano porque odiava as lições de música. O homem que, na infância, morava onde chovia cartas de baralho. O filho que, sem aceitar a morte da mãe, insistia com o motorista em levar o corpo (já enrijecido) ao hospital. E poderíamos prosseguir com uma infinidade de outras... Mas fica mais fácil conhecer as histórias que ele mesmo conta acessando o blog
www.taxitramas.com.br.
Um jeito novo de compreender a profissão
Escrever levou Mauro Castro a compreender a profissão de taxista de um jeito diferente. “Desde que eu comecei a escrever sobre o meu dia a dia, consegui entender melhor o meu contexto. Porque, para escrever, tu precisas te olhar de fora. Esse distanciamento é excelente para ajudar a resolver a tua cabeça profissional, inserida num contexto, que, no meu caso é o trânsito”, complementa.
O que mudou? “Eu me tornei uma pessoa mais tolerante. Tu abstrais a dureza do cotidiano, como a paranoia com a segurança, por exemplo. Se eu pensasse na violência como a maioria das pessoas, eu não abriria a porta para 30, 40 estranhos todos os dias”, responde ele.
Mauro chegou a trabalhar com publicidade e desenho antes do táxi. Mas se afeiçoou pela profissão desempenhada nas ruas da cidade. “Eu sou um taxista que eventualmente escreve, não um escritor que trabalha com táxi”.
E o que mais gosta? “O que mais me dá prazer na rotina é a interação”, explica. O taxista conversou com a
Agência CNT de Notícias no meio de uma manhã de segunda-feira. Estava há menos de três horas trabalhando. Naquele intervalo, já havia transportado um palhaço, um executivo, a mãe de um apenado e já havia falado com um detento do regime semiaberto que precisava de transporte para ir ao trabalho. Para Mauro, o taxista é uma espécie de elo entre tantos universos distintos: “tu tens que ter um poder de adaptação grande, porque lida com pessoas de níveis e de mundos completamente diferentes do teu e entre eles. Tu te dás conta de quantos universos existem em uma cidade, de pessoas que não se comunicam. O taxista é um uma espécie de conexão”.
Quanto às alterações da profissão, Mauro analisa criticamente as resistências às mudanças. Ocorreu com o uso do celular para atender passageiros, depois com os aplicativos usados pelos usuários para chamar o serviço, e tudo acabou incorporado às rotinas de trabalho. Ele salienta, ainda, que novidades continuarão surgindo e causando desconforto: “tem a Uber, que está preocupada com o app concorrente, Lyft. Esse está de olho no Side Car, que oferece caronas mais descoladas, que está atento ao carro autônomo da Google”. Assim, o taxista vê o futuro com mais serenidade que angústias. “Eu lido tranquilamente. Eu não acho que o táxi vai sumir. Mas, se isso acontecer, eu vou me adaptar, sem problemas”, diz.
A fotografia
Não são somente as histórias vividas entre as quatro portas do táxi que despertaram a atenção diferenciada de Mauro. Recentemente, os cenários urbanos também. “Eu sempre procuro extrair do meu dia a dia alguma expressão de arte”. Assim, começou a fotografar, pelo retrovisor esquerdo, imagens dos locais por que passa. As fotografias são postadas no aplicativo Instagram (https://www.instagram.com/taxitramas/).
Isso tem exigido dele um olhar quase de turista sobre caminhos que já percorre há tantas décadas. “Esse projeto me fez perceber coisas que eu não percebia. Eu descobri que o retrovisor não é só um retrovisor, ele pode ser uma lente que reflete lugares legais, que eu nunca prestei atenção”, conta, com a vantagem de acessar locais bem pouco frequentados pela absoluta maioria de motoristas de carros particulares.
As imagens deverão compor uma exposição em breve, celebrando o aniversário da cidade de Porto Alegre.
Taxitramas na TV
Agora, o Taxitramas vai para a TV. O inusitado das histórias contadas por Mauro chamou a atenção de uma produtora audiovisual, que comprou os direitos para produção de uma série televisiva. Com apoio da Ancine (Agência Nacional do Cinema), ela deve ser transmitida pelo Canal Prime Box Brasil até o final do ano.
Porém, mesmo com tantas vertentes novas, por enquanto, o papel de cada faceta que ele vem descobrindo está bem definido. Então, garante que continuará sendo um taxista que escreve. Não um escritor que dirige um táxi.